Pesquisadores alertam para expansão de
transgênicos e agrotóxicos no Brasil
João Fellet
Da BBC Brasil em
Brasília
Atualizado
em 10 de janeiro, 2014 - 06:41 (Brasília) 08:41 GMT
O pedido
para a liberação de sementes transgênicas de soja e milho resistentes ao
herbicida 2,4-D esquentou o debate sobre a regulamentação de plantas
geneticamente modificadas e agrotóxicos na agricultura brasileira.
Pesquisadores e o Ministério Público
Federal (MPF) solicitaram em dezembro à Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTNBio), encarregada de analisar pedidos de vendas de
transgênicos, que suspendesse os trâmites para a autorização das sementes
tolerantes ao 2,4-D, um herbicida usado contra ervas daninhas que consideram
nocivo à saúde.
Eles dizem que a liberação desses
transgênicos poderá multiplicar de forma preocupante o uso do 2,4-D no Brasil.
Paralelamente, cobram maior rigor dos
órgãos reguladores na liberação tanto de agrotóxicos quanto de transgênicos e
alertam para a associação entre esses dois produtos no país.
Segundo o Ministério do Meio
Ambiente, o Brasil é hoje o maior consumidor global de agrotóxicos. O mercado
brasileiro de transgênicos também é um dos maiores do mundo. De acordo com a
consultoria Céleres, quase todo o milho e a soja plantados no país hoje são
geneticamente modificados.
Especialistas ouvidos pela BBC Brasil
dizem que a expansão dos transgênicos estimulou o mercado de agrotóxicos no
país, já que grande parte das sementes geneticamente alteradas tem como
principal diferencial a resistência a venenos agrícolas. Se por um lado essa
característica permite maior controle de pragas, por outro, impõe riscos aos
consumidores, segundo os pesquisadores.
Agente laranja
No centro do debate, o herbicida
2,4-D é hoje vendido livremente no Brasil e utilizado para limpar terrenos
antes do cultivo.
Pesquisadores dizem que estudos
associaram o produto a mutações genéticas, distúrbios hormonais e câncer, entre
outros problemas ambientais e de saúde. O 2,4-D é um dos componentes do agente
laranja, usado como desfolhante pelos Estados Unidos na Guerra do Vietnã.
O MPF pediu à Anvisa (Agência
Nacional de Vigilância Sanitária) que acelere seus estudos de reavaliação da
licença comercial do 2,4-D. O órgão quer que o resultado da reavaliação da
Anvisa, iniciada em 2006, embase a decisão da CTNBio sobre os transgênicos
resistentes ao produto.
Já a Dow AgroSciences, que fabrica o
agrotóxico e é uma das empresas que buscam a liberação dos transgênicos
associados a ele, diz que os produtos são seguros. Em nota à BBC Brasil, a
empresa afirma que "o 2,4-D é um herbicida que está no mercado há mais de
60 anos, aprovado em mais de 70 países".
O herbicida teve o uso aprovado em
reavaliações recentes no Canadá e nos Estados Unidos. Segundo a Dow, trata-se
de uma das moléculas mais estudadas de todos os tempos, gerada após mais de uma
década de pesquisa e com base nas normas internacionais de segurança alimentar
e ambiental.
Agrotóxicos combinados
O pedido para a liberação das
sementes resistentes ao 2,4-D reflete uma prática comum no mercado de
transgênicos: a produção de variedades tolerantes a agrotóxicos. Geralmente,
assim como a Dow, as empresas que vendem esses transgênicos também
comercializam os produtos aos quais são resistentes.
"É uma falácia dizer que os transgênicos
reduzem o uso de agrotóxicos", afirma Karen Friedrich, pesquisadora e
toxicologista da Fiocruz.
Friedrich cita como exemplo a
liberação de soja transgênica resistente ao agrotóxico glifosato, que teria
sido acompanhada pelo aumento exponencial do uso do produto nas lavouras.
Caso também sejam liberadas as
sementes resistentes ao 2,4-D, ela estima que haverá um aumento de 30 vezes no
consumo do produto.
Segundo a pesquisadora, o 2,4-D pode
provocar dois tipos de efeitos nocivos: agudos, que geralmente acometem
trabalhadores ou pessoas expostas diretamente à substância, causando enjôo, dor
de cabeça ou até a morte; e crônicos, que podem se manifestar entre
consumidores muitos anos após a exposição a doses pequenas do produto, por meio
de alterações hormonais ou cânceres.
O médico e professor da Universidade
Federal de Mato Grosso (UFMT) Wanderlei Pignati, que pesquisa os efeitos de
agrotóxicos há dez anos, cita outra preocupação em relação aos produtos: o uso
associado de diferentes substâncias numa mesma plantação.
Ele diz que, embora o registro de um
agrotóxico se baseie nos efeitos de seu uso isolado, muitos agricultores
aplicam vários agrotóxicos numa mesma plantação, potencializando os riscos.
Pignati participou de um estudo que
monitorou a exposição a agrotóxicos pela população de Lucas do Rio Verde,
município mato-grossense que tem uma das maiores produções agrícolas do Brasil.
A pesquisa, diz o professor, detectou
uma série de problemas, entre os quais: desrespeito dos limites mínimos de distância
da aplicação de agrotóxicos a fontes de água, animais e residências;
contaminação com resíduos de agrotóxico em todas as 62 das amostras de leite
materno colhidas na cidade; e incidência 50% maior de acidentes de trabalho,
intoxicações, cânceres, malformação e agravos respiratórios no município em
relação à média estadual nos últimos dez anos.
O pesquisador defende que o governo
federal invista mais no desenvolvimento de tecnologias que possam substituir os
agrotóxicos – como o combate de pragas por aves e roedores em sistemas
agroflorestais, que combinam a agricultura com a preservação de matas.
Já a Confederação Nacional da
Agricultura e Pecuária (CNA) diz que os agrotóxicos (que chama de produtos
fitossanitários) são imprescindíveis para proteger a agricultura tropical de
pragas e ervas daninhas, assim como para aumentar a produtividade das lavouras.
Cabo de guerra
Pesquisadores e o MPF também querem
maior rigor dos órgãos que analisam pedidos de liberação de agrotóxicos e
transgênicos.
A liberação de agrotóxicos exige
aprovação da Anvisa (que analisa efeitos do produto na saúde), do Ibama (mede
danos ao ambiente) e do Ministério da Agricultura (avalia a eficiência das
substâncias).
Cobrada de um lado por pesquisadores
e médicos, a Anvisa é pressionada do outro por políticos ruralistas e
fabricantes de agrotóxicos, que querem maior agilidade nas análises.
Ana Maria Vekic, gerente-geral de
toxicologia da Anvisa, diz que há várias empresas, entre as quais chinesas e
indianas, à espera de entrar no mercado brasileiro de agrotóxicos.
Ela diz que a falta de profissionais
na Anvisa dificulta as tarefas da agência. A irritação dos ruralistas tem ainda
outro motivo: a decisão da agência de reavaliar as licenças de alguns produtos.
As reavaliações, explica Vekic,
ocorrem quando novos estudos indicam riscos ligados aos agrotóxicos – alguns
dos quais são vendidos no Brasil há décadas, antes da criação da Anvisa, em
1999.
"Quando começamos a rediscutir
produtos, passamos a ser um calo para os ruralistas", ela diz à BBC
Brasil.
Instatisfeitos, os representantes do
agronegócio têm tentado aprovar leis que reduzem os poderes da Anvisa na
regulamentação de agrotóxicos.
"Fazemos o possível para nos
blindar, mas a pressão é violenta", diz Vekic.
Questionada sobre a polêmica em torno
do 2,4-D, a CTNBio disse em nota que voltaria a discutir o assunto em
fevereiro.
Segundo a comissão, o plantio de
transgênicos não impede a produção de orgânicos ou de outras variedades de
plantas.
A CTNBio disse ainda que não lhe
compete avaliar os riscos de agrotóxicos associados a transgênicos, e sim a
segurança dos Organismos Geneticamente Modificados.