A fabricação das “síndromes”
A maioria de habitantes dos países desenvolvidos desfruta de vidas mais longas, mais saudáveis e mais dinâmicas que as de seus ancestrais. Mas o rolo compressor das campanhas publicitárias - e das campanhas de sensibilização diretamente conduzidas - transforma pessoas saudáveis preocupadas com a saúde em doentes preocupados. Problemas menores são descritos como síndromes graves, de tal modo que a timidez torna-se um “transtorno de ansiedade social”, e a tensão pré-menstrual, uma doença mental denominada “transtorno disfórico pré-menstrual”.
O simples fato de um sujeito ser “predisposto” a desenvolver uma patologia torna-se uma doença em si.
O epicentro desse tipo de vendas situa-se nos Estados Unidos, abrigo de inúmeras multinacionais farmacêuticas. Com menos de 5% da população mundial, esse país já representa cerca de 50% do mercado de medicamentos. As despesas com a saúde continuam a subir mais do que em qualquer outro lugar do mundo.
Cresceram quase 100% em seis anos – não só porque os preços dos medicamentos registraram altas drásticas, mas também porque os médicos começaram a prescrever cada vez mais.
De seu escritório situado no centro de Manhattan, Vince Parry representa o que há de melhor no marketing mundial. Especialista em publicidade, ele se dedica agora à mais sofisticada forma de venda de medicamentos: dedica-se, junto com as empresas farmacêuticas, a criar novas doenças.
Em um artigo impressionante intitulado “A arte de catalogar um estado de saúde”, Parry revelou recentemente os artifícios utilizados por essas empresas para “favorecer a criação” dos problemas médicos [1]. Às vezes, trata-se de um estado de saúde pouco conhecido que ganha uma atenção renovada; às vezes, redefine-se uma doença conhecida há muito tempo, dando-lhe um novo nome; e outras vezes cria-se, do nada, uma nova “disfunção”.
A maioria de habitantes dos países desenvolvidos desfruta de vidas mais longas, mais saudáveis e mais dinâmicas que as de seus ancestrais. Mas o rolo compressor das campanhas publicitárias - e das campanhas de sensibilização diretamente conduzidas - transforma pessoas saudáveis preocupadas com a saúde em doentes preocupados. Problemas menores são descritos como síndromes graves, de tal modo que a timidez torna-se um “transtorno de ansiedade social”, e a tensão pré-menstrual, uma doença mental denominada “transtorno disfórico pré-menstrual”.
O simples fato de um sujeito ser “predisposto” a desenvolver uma patologia torna-se uma doença em si.
O epicentro desse tipo de vendas situa-se nos Estados Unidos, abrigo de inúmeras multinacionais farmacêuticas. Com menos de 5% da população mundial, esse país já representa cerca de 50% do mercado de medicamentos. As despesas com a saúde continuam a subir mais do que em qualquer outro lugar do mundo.
Cresceram quase 100% em seis anos – não só porque os preços dos medicamentos registraram altas drásticas, mas também porque os médicos começaram a prescrever cada vez mais.
De seu escritório situado no centro de Manhattan, Vince Parry representa o que há de melhor no marketing mundial. Especialista em publicidade, ele se dedica agora à mais sofisticada forma de venda de medicamentos: dedica-se, junto com as empresas farmacêuticas, a criar novas doenças.
Em um artigo impressionante intitulado “A arte de catalogar um estado de saúde”, Parry revelou recentemente os artifícios utilizados por essas empresas para “favorecer a criação” dos problemas médicos [1]. Às vezes, trata-se de um estado de saúde pouco conhecido que ganha uma atenção renovada; às vezes, redefine-se uma doença conhecida há muito tempo, dando-lhe um novo nome; e outras vezes cria-se, do nada, uma nova “disfunção”.
Médicos orientados por marqueteiros
Com uma rara franqueza, Perry explica a maneira como as empresas farmacêuticas não só catalogam e definem seus produtos com sucesso, tais como o Prozac ou o Viagra, mas definem e catalogam também as condições que criam o mercado para esses medicamentos.
Sob a liderança de marqueteiros da indústria farmacêutica, médicos especialistas e gurus como Perry sentam-se em volta de uma mesa para “criar novas ideias sobre doenças e estados de saúde”. O objetivo, diz ele, é fazer com que os clientes das empresas disponham, no mundo inteiro, “de uma nova maneira de pensar nessas coisas”. O objetivo é, sempre, estabelecer uma ligação entre o estado de saúde e o medicamento, de maneira a otimizar as vendas.
Para muitos, a ideia segundo a qual as multinacionais do setor ajudam a criar novas doenças parecerá estranha, mas ela é moeda corrente no meio da indústria.
Destinado a seus diretores, um relatório recente de Business Insight mostrou que a capacidade de “criar mercados de novas doenças” traduz-se em vendas que chegam a bilhões de dólares. Uma das estratégias de melhor resultado, segundo esse relatório, consiste em mudar a maneira como as pessoas veem suas disfunções sem gravidade. Elas devem ser “convencidas” de que “problemas até hoje aceitos no máximo como uma indisposição” são “dignos de uma intervenção médica”.
Comemorando o sucesso do desenvolvimento de mercados lucrativos ligados a novos problemas da saúde, o relatório revelou grande otimismo em relação ao futuro financeiro da indústria farmacêutica: “Os próximos anos evidenciarão, de maneira privilegiada, a criação de doenças patrocinadas pela empresa”.
Dado o grande leque de disfunções possíveis, certamente é difícil traçar uma linha claramente definida entre as pessoas saudáveis e as doentes. As fronteiras que separam o “normal” do “anormal” são frequentemente muito elásticas; elas podem variar drasticamente de um país para outro e evoluir ao longo do tempo.
Com uma rara franqueza, Perry explica a maneira como as empresas farmacêuticas não só catalogam e definem seus produtos com sucesso, tais como o Prozac ou o Viagra, mas definem e catalogam também as condições que criam o mercado para esses medicamentos.
Sob a liderança de marqueteiros da indústria farmacêutica, médicos especialistas e gurus como Perry sentam-se em volta de uma mesa para “criar novas ideias sobre doenças e estados de saúde”. O objetivo, diz ele, é fazer com que os clientes das empresas disponham, no mundo inteiro, “de uma nova maneira de pensar nessas coisas”. O objetivo é, sempre, estabelecer uma ligação entre o estado de saúde e o medicamento, de maneira a otimizar as vendas.
Para muitos, a ideia segundo a qual as multinacionais do setor ajudam a criar novas doenças parecerá estranha, mas ela é moeda corrente no meio da indústria.
Destinado a seus diretores, um relatório recente de Business Insight mostrou que a capacidade de “criar mercados de novas doenças” traduz-se em vendas que chegam a bilhões de dólares. Uma das estratégias de melhor resultado, segundo esse relatório, consiste em mudar a maneira como as pessoas veem suas disfunções sem gravidade. Elas devem ser “convencidas” de que “problemas até hoje aceitos no máximo como uma indisposição” são “dignos de uma intervenção médica”.
Comemorando o sucesso do desenvolvimento de mercados lucrativos ligados a novos problemas da saúde, o relatório revelou grande otimismo em relação ao futuro financeiro da indústria farmacêutica: “Os próximos anos evidenciarão, de maneira privilegiada, a criação de doenças patrocinadas pela empresa”.
Dado o grande leque de disfunções possíveis, certamente é difícil traçar uma linha claramente definida entre as pessoas saudáveis e as doentes. As fronteiras que separam o “normal” do “anormal” são frequentemente muito elásticas; elas podem variar drasticamente de um país para outro e evoluir ao longo do tempo.
Em certas circunstâncias, os especialistas que dão as receitas são retribuídos pela indústria farmacêutica, cujo enriquecimento está ligado à forma como as prescrições de tratamentos forem feitas.
Segundo esses especialistas, 90% dos norte-americanos idosos sofrem de um problema denominado “hipertensão arterial”; praticamente quase metade das norte-americanas é afetada por uma disfunção sexual batizada de FSD (disfunção sexual feminina); e mais de 40 milhões de norte-americanos deveriam ser acompanhados devido à sua taxa de colesterol alta.
Com a ajuda dos meios de comunicação em busca de grandes manchetes, a última disfunção é constantemente anunciada como presente em grande parte da população: grave, mas sobretudo tratável, graças aos medicamentos.
As vias alternativas para compreender e tratar os problemas de saúde, ou para reduzir o número estimado de doentes, são sempre relegadas ao último plano, para satisfazer uma promoção frenética de medicamentos.
Quanto mais alienados, mais consumistas
Segundo esses especialistas, 90% dos norte-americanos idosos sofrem de um problema denominado “hipertensão arterial”; praticamente quase metade das norte-americanas é afetada por uma disfunção sexual batizada de FSD (disfunção sexual feminina); e mais de 40 milhões de norte-americanos deveriam ser acompanhados devido à sua taxa de colesterol alta.
Com a ajuda dos meios de comunicação em busca de grandes manchetes, a última disfunção é constantemente anunciada como presente em grande parte da população: grave, mas sobretudo tratável, graças aos medicamentos.
As vias alternativas para compreender e tratar os problemas de saúde, ou para reduzir o número estimado de doentes, são sempre relegadas ao último plano, para satisfazer uma promoção frenética de medicamentos.
Quanto mais alienados, mais consumistas
A remuneração dos especialistas pela indústria não significa necessariamente tráfico de influências. Mas, aos olhos de um grande número de observadores, médicos e indústria farmacêutica mantêm laços extremamente estreitos.
As definições das doenças são ampliadas, mas as causas dessas pretensas disfunções são, ao contrário, descritas da forma mais sumária possível. No universo desse tipo de marketing, um problema maior de saúde, tal como as doenças cardiovasculares, pode ser diagnosticado com base no foco estreito da taxa de colesterol ou da tensão arterial de uma pessoa.
A prevenção das fraturas da bacia em idosos confunde-se com a obsessão pela densidade óssea das mulheres de meia-idade com boa saúde. A tristeza pessoal resulta de um desequilíbrio químico da serotonina no cérebro.
O fato de se concentrar em uma parte faz perder de vista as questões mais importantes, muitas vezes em prejuízo dos indivíduos e da comunidade.
Em um dos casos mais graves, um medicamento considerado bom para tratar problemas intestinais banais causou tamanha constipação que os pacientes morreram. No entanto, neste e em outros casos, as autoridades nacionais de regulação parecem mais interessadas em proteger os lucros das empresas farmacêuticas do que a saúde pública.
A “medicalização” interesseira da vida
A “medicalização” interesseira da vida
A flexibilização da regulação da publicidade no final dos anos 1990, nos Estados Unidos, traduziu-se em um avanço sem precedentes do marketing farmacêutico dirigido a “toda e qualquer pessoa do mundo”. O público foi submetido, a partir de então, a uma média de dez ou mais mensagens publicitárias por dia.
O lobby farmacêutico gostaria de impor o mesmo tipo de desregulamentação em outros lugares.
Há mais de trinta anos, um livre pensador de nome Ivan Illich deu o sinal de alerta, afirmando que a expansão do establishment médico estava prestes a “medicalizar” a própria vida, minando a capacidade das pessoas enfrentarem a realidade do sofrimento e da morte, e transformando um enorme número de cidadãos comuns em doentes. Ele criticava o sistema médico, “que pretende ter autoridade sobre as pessoas que ainda não estão doentes, sobre as pessoas de quem não se pode racionalmente esperar a cura, sobre as pessoas para quem os remédios receitados pelos médicos se revelam no mínimo tão eficazes quanto os oferecidos pelos tios e tias [2] ”.
Mais recentemente, Lynn Payer, uma redatora médica, descreveu um processo que denominou “a venda de doenças”: o modo como os médicos e as empresas farmacêuticas ampliam sem necessidade as definições das doenças, de modo a receber mais pacientes e comercializar mais medicamentos [3]. Esses textos tornaram-se cada vez mais pertinentes, à medida que aumenta o rugido do marketing e se consolida as garras das multinacionais sobre o sistema de saúde.
(Tradução: Wanda Caldeira Brant) wbrant@globo.com
Bibliografia complementar:
* A revista médica PLoS Medecine traz, em seu número de abril de 2006, um importante dossiê sobre “A produção de doenças” – http://medicine.plosjournals.org/
* Na França, as revistas Pratiques (dirigida ao grande público) e Prescrire (destinada aos médicos) avaliam os medicamentos e trazem um olhar crítico sobre a definição das doenças.
*Jörg Blech, Les inventeurs de maladies. Manœuvres et manipulations de l’industrie pharmaceutique, Arles, Actes Sud, 2005.
* Philippe Pignarre, Comment la dépression est devenue une épidémie, Paris, Hachette-Littérature, col. Pluriel, 2003.
[1] Ler, de Vince Parry, “The art of branding a condition ”, Medical Marketing & Media, Londres, maio de 2003.
[2] Ler, de Ivan Illich, Némésis médicale, Paris, Seuil, 1975.
[3] Ler, de Lynn Payer, Disease-Mongers: How Doctors, Drug Companies, and Insurers are Making You Feel Sick, Nova York, John Wiley & Sons, 2002.
extasiado
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